Carta do Presidente da República da Polónia na Conferência “(Re)Pensar Abril”

O Presidente da República da Polónia associou-se à Conferência Internacional (Re)Pensar Abril, organizada pela Secção Luso-brasileira do Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da Universidade de Varsóvia, por ocasião do 40.º aniversário da Revolução dos Cravos. O presidente Bronisław Komorowski remeteu uma carta aos organizadores e a todos os participantes, que foi lida pelo ministro Maciej Klimczak na sessão oficial de abertura. A carta original pode ser lida na página oficial da presidência em Prezydenta Rzeczypospolitej Polskiej.

Apresentamos aqui a tradução para português da carta:

Excelentíssimas Senhoras e excelentíssimos Senhores,

 

Grândola Vila Morena, terra da fraternidade, o povo é quem mais ordena, dentro de ti, ó cidade – a canção que se tornou no hino da Revolução dos Cravos falou sobre questões importantes também para os polacos do Solidariedade. Apresentou um testemunho desta mesma saudade da igualdade e da liberdade, em nome das quais combatemos a ditadura comunista. Os Portugueses, sem derramamento de sangue, derrubaram a ditadura há 40 anos; há 25 anos foi também possível aos polacos triunfar através de uma revolução pacífica. Os Acordos da Mesa Redonda e as eleições de junho romperam a cortina de ferro e permitiram também que outras nações da Europa Central e de Leste pudessem enveredar pelo caminho das mudanças.

Estas experiências ensinaram-nos que quando se trata da luta pela liberdade é necessário fazê-lo de forma solidária com outras nações. É por esta razão que muito me alegra que nas vésperas das celebrações dos 25 anos de liberdade, tenha lugar em Varsóvia um encontro que será uma ocasião não só para juntos comemorarmos, mas também para juntos refletirmos sobre o caminho para a liberdade que a Polónia e Portugal trilharam.

A história das nossas duas nações, que se situam em lados opostos da União Europeia, decorreu de modo diferente. A Revolução dos Cravos, que trouxe aos Portugueses as liberdades democráticas e às suas colónias a independência, apenas de maneira esboçada se assemelha à nossa revolução pacífica do Solidariedade. Muitos símbolos semelhantes adquiriram um significado completamente contrário. A intervenção militar na vida social polaca em 1981 não teve nada que ver com a libertação, muito pelo contrário, asfixiou a resistência social e manteve os comunistas no poder. Mas em 1974 em Portugal, os militares derrubaram o governo autoritário. Não precisamos de vizinhos – canalhas já cá nós temos – cantou Jan Kelus sobre o período da lei marcial na Polónia – para nos explicarem de uma vez por todas que não estamos em Portugal, para nos convencerem uma vez mais que o Polaco sabe pisar os Polacos, que não estamos em Portugal, que isto não é uma revolução de flores.

O respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades cívicas, pela liberdade de expressão e de crença, assim como um desejo de viver em amizade e profunda integração com as demais nações europeias: tudo isto, sim, foi comum às nossas duas nações. Assim como a Revolução dos Cravos abriu o caminho a Portugal para a integração europeia, também o Solidariedade, de forma decisiva, uniu duas partes de um continente dividido. O valor das nossas revoluções aproxima-nos também nos dias de hoje, quando juntos colaboramos para a edificação da União Europeia. Ao mesmo tempo, este momento relembra-nos que muitos outros desafios há ainda que enfrentar para fortalecer a comunidade europeia e para auxiliar as transformações democráticas na vizinhança europeia.

Que esta conferência seja, então, uma inspiração para se refletir não apenas sobre o passado, mas também sobre o futuro da democracia europeia.

 

Bronisław Komorowski
Presidente da República da Polónia