Fotografia e fotógrafos, antes e depois da Revolução do 25 de Abril

Maria Teresa Siza

 
Também em Portugal a fotografia viveu, no início do século, a sua história de autonomia e exigência artística; serviu-se dos Modernistas e foi usada por eles. Assim, ainda antes da segunda década, os fotógrafos tendiam a pôr de lado o naturalismo e o pictorialismo, que tinha sido a primeira etapa de afirmação da fotografia como arte. Também aqui o mercado, reagindo favoravelmente às intenções do programa modernista, ia substituindo o desenho e a pintura pela fotografia; dá-se o grande passo da fotografia para se tornar imagem indispensável da comunicação social.

A sujeição dos grandes fotógrafos ao Estado Novo não foi um exclusivo de Portugal ou Espanha. Ditaduras e democracias usaram a fotografia como propaganda, já que a crise dos anos 30, permitiu um incomensurável crescimento do poder do Estado. Centro Português de Fotografia, Porto.

A sujeição dos grandes fotógrafos ao Estado Novo não foi um exclusivo de Portugal ou Espanha. Ditaduras e democracias usaram a fotografia como propaganda, já que a crise dos anos 30, permitiu um incomensurável crescimento do poder do Estado. Centro Português de Fotografia, Porto.

A subordinação da fotografia à pressão do Estado dos anos 30 tem estes antecedentes legitimadores. Resultava do efeito inevitável do seu papel primeiro na propaganda e na publicidade, tanto mais precioso porque a fotografia desenvolvera a técnica da sugestão e e pela mão de Modernistas que ela se compromete com a propaganda dos regimes.

De facto, António Ferro, intelectual actualizado, orienta as primeiras intervenções maciças da imagem fotográfica na propaganda do regime português, saído da ditadura militar de 1926. Seguiu o modelo fascista que tinha observado em Itália em 1932, para comemorar os dez anos da marcha vitoriosa de Mussolini (aliança do texto de propaganda ao design, belas-artes e fotografia). Na Exposição do Parque Eduardo VII, em 1934, Ferro dirige a encenação da exposição sobre os antecedentes da revolução de 28 de Maio, mostrando séries de fotografias de Benoliel do período republicano, ampliações acompanhadas de bom grafismo, mas seleccionando greves, motins e desastres, numa sequência negativa, na qual a revolução de 28 de Maio aparecia como flagrante hipótese de salvação.

A lição de propaganda de António Ferro foi decisiva; a fotografia passou a ter encomendas de Estado; é bem conhecida a encomenda a Domingos Alvão, para fazer a cobertura, em exclusivo, da Exposição Colonial do Porto de 1934.

Não pode dizer-se que a sujeição dos grandes fotógrafos ao Estado Novo fosse um exclusivo de Portugal, ou da Península. Ditaduras e democracias usaram a fotografia como propaganda, para bem e para mal, já que os anos trinta, de crise internacional saída do desastre de Wall Street, permitiram o incomensurável crescimento do poder do Estado. Não estar com o Estado era estar contra ele. Aqui como noutros casos. Goebbels e o seu Ministério da Propaganda instituíram o que predominará em regimes antidemocráticos: deixou utilizar o Modernismo Fotográfico, pervertendo-lhe o sentido através de novos conteúdos, e utilizou, como já fizera Mussolini, as formas estéticas da fotografia revolucionária russa, nomeadamente nas suas campanhas de produção.

As corporações definiam a vida associativa existente e eram responsáveis pela criação de exposições. Salões e concursos eram controlados pelo Grémio Português de Fotografia. A revista Objectiva (1937-45) era quase um órgão do Estado. Centro Português de Fotografia, Porto.

As corporações definiam a vida associativa existente e eram responsáveis pela criação de exposições. Salões e concursos eram controlados pelo Grémio Português de Fotografia. A revista Objectiva (1937-45) era quase um órgão do Estado. Centro Português de Fotografia, Porto.

Da Alemanha hitleriana vem também um modelo que terá grande influência no crescimento da fotografia de autor, o registo temático em livro, utilizado pelo maior fotógrafo do regime, Paul Wolff, o que exigia uma técnica rigorosa e apurada. Os seus temas farão eco no Salonismo português, pitorescos e com vários tipo de expressão da beleza intemporal, com acentuada incidência na juventude e na infância. Em 1934, além dos álbuns da Exposição Colonial Portuguesa, surge também, no país, o Portugal 1934, pub. do Secretariado da Propaganda Nacional. No Álbum de 1940 integram-se os grandes fotógrafos, alguns vindos do republicanismo, Mário e Henrique Novaes, San Payo, Judah Benoliel, Ferreira da Cunha, Silva Nogueira, produção do estúdio de Alvão. Mostrando a viagem presidencial às colónias (1938-39), fazem-se 5 volumes com fotografias – de resto inovadoras – de Marques da Costa. Orientar os projectos fotográficos para publicação em livro era também uma forma de aproximação ao regime, e no país pratica-se muito cedo.

Por outro lado, os Salões, onde expunham membros dos amadores liberais – ou profissionais com selecções artísticas – eram de certo modo idênticos nas intenções aos foto-clubes franceses e, tal corno eles, mantinham-se ainda em plena rotina nos anos 60. Girando toda a vida associativa enquadrada pelas corporações, são estas que facilitam a criação de exposições, surgindo também concursos fotográficos submetidos a júris compostos de fotógrafos e artistas, habitualmente ligados ao regime. De resta tanto os salões como os concursos eram controlados pelo Grémio Português de Fotografia, inserindo-se portanto no sistema corporativo. Quase órgão do Estado era a revista Objectiva (1937-1945).

Neste contexto toda a criatividade fotográfica surge à margem e marginalizada. É o caso da exposição do pintor e fotógrafo surrealista Fernando Lemos na Gasa Jalco (1952), que incluía 55 imagens extraordinárias e retratos de artistas lisboetas, como António Pedro Gasais Monteiro. Alexandre O’Neil, Vieira da Silva, Jorge de Sena, Cardoso Pires e outros. Pela mesma altura a nova revista Plano Focal mostrava imagens de Fernando Lemos, Man Ray, E.Weston, Herbert List e outros inovadores, mas controlava o excesso de ousadia com fotografias de Rosa Casaco, um dos mais persistentes fotógrafos salonistas, que pertencia à Pide e, nesses anos cinquenta, tirará várias fotografias de Salazar na intimidade.

O grande acontecimento fotográfico dos anos 50 é a exposição Lisboa Cidade Triste e Alegre da autoria de Victor Palia e Costa Martins em 1958. Fotografia de Victor Palla. Centro Português de Fotografia, Porto.

O grande acontecimento fotográfico dos anos 50 é a exposição Lisboa Cidade Triste e Alegre da autoria de Victor Palia e Costa Martins em 1958. Fotografia de Victor Palla. Centro Português de Fotografia, Porto.

O grande acontecimento fotográfico dos anos 50, quase a acabar a década, é uma experiência isolada, a exposição de Victor Palla e Costa Martins Lisboa, Cidade Triste e Alegre, em 1958, em Lisboa e no Porto.

Os anos 50 são os do impacto da fotografia subjectiva alemã; em Itália dominam as vanguardas conceptualistas contra uma pertinente fotografia neo-realista, e em 1956 William Klein publica o seu New York, iniciando a revolução da forma fotográfica e o seu definitivo corte com a pintura: sem o ato de ver, o núcleo expressivo da imagem. Impõe-se transformar a realidade sem a deformar, afirmava e demonstrava Minor White na sua recente revista Aperture.

1956 é o ano em que Victor Palla e Costa Martins iniciam a sua experiência fotográfica, levantando imagens de Lisboa. Expõem o trabalho final no mesmo ano em que surge Os Americanos de Robert Frank (Delpire, Paris, 1958), a obra que será o guião das gerações seguintes.

Tudo isso se encontra na Lisboa, Cidade Triste e Alegre; não se trata de fotografias felizes, intimistas ou apenas inesperadas: é um projeto revolucionário, que desdobrava todas as vertentes então experimentadas e ainda por experimentar: um modo de apresentar um outro real, tão dinâmico e mutante como a própria vida, onde cabe toda a realidade visionada, a opacidade, o fragmento, o inacabado, o tremido, indícios da descoberta de que a máquina fotográfica pode reproduzir essa realidade fluida e imprecisa que os olhos humanos veem.

O que poderia ter sido uma revolução na fotografia portuguesa foi recebido com indiferença e incompreensão. Duas exposições, uma publicação por assinaturas interrompida. Pioneiros de muita coisa, compreendidos por uma geração portuguesa da nova fotografia, que hoje se interpreta como vanguarda, Carlos Calvet, Gerard Castello-Lopes, Victor Palla, Costa Martins, Jorge Guerra teriam de esperar pelos anos 80 para serem descobertos e servirem de influência maior para a fotografia portuguesa saída do 25 de Abril.

À indeterminação dos finais dos anos 70, sucedem os criativos anos 80. Foógrafos saídos do fotojornalismo, do espaço da imprensa e das jovens e hesitantes escolas de fotografia, ou ainda regressados do estrangeiro, constituem a nova geração de fotógrafos portugueses. De entre eles destacam-se nomes como Paulo Nozolino e Jorge Molder. Fotografia de Jorge Molder. Centro Português de Fotografia, Porto.

À indeterminação dos finais dos anos 70, sucedem os criativos anos 80. Foógrafos saídos do fotojornalismo, do espaço da imprensa e das jovens e hesitantes escolas de fotografia, ou ainda regressados do estrangeiro, constituem a nova geração de fotógrafos portugueses. De entre eles destacam-se nomes como Paulo Nozolino e Jorge Molder. Fotografia de Jorge Molder. Centro Português de Fotografia, Porto.

De facto, à fotografia militante, suporte de manifestações cívicas e militares que a democracia reintroduz, o fotojornalismo e o documentalismo português encontram o seu verdadeiro carácter de denúncia e chamada de atenção que até então lhe tinha sido vedado; novos espaços começam a surgir, nos jornais, nomeadamente no Expresso, galerias, festivais de fotografia (Encontros de Coimbra, Braga, Porto, Vila Franca de Xira). Cursos médios e superiores de fotografia, de iniciativa cooperativa ou privada, travam a sua luta para a oficialização. O público que acorre à verdadeira escola pedagógica do olhar, que são os festivais e a Galeria Ether, em Lisboa, está mais livre e mais atento: ainda em 1973 a retrospectiva de Bill Brandt, na F.C.G., não tivera impacto e a crítica não a compreendera.

Às indeterminações dos finais dos anos 70 (Alternativa Zero, 1977-1978, Seis Fotógrafos, 1978, Fotografia como Arte – A Arte como Fotografia, 1979, e outras), sucedem os criativos anos 80. Fotógrafos saídos do fotojornalismo ou do espaço de imprensa, das jovens e hesitantes escolas de fotografia, outros que regressam do estrangeiro onde tinham feito nome, artistas como Helena Almeida, constituem a nova geração de fotógrafos portugueses que ganha presença nos festivais de Coimbra, Braga e Porto; torna-se consensual que dois fotógrafos se afirmam como modelo, Paulo Nozolino e Jorge Molder, mas muitos dos jovens que vão constituir a geração de 90 – uma geração múltipla nas experiências e no reconhecimento público -, já estão presentes nos anos 80, Daniel Blaufuks, Luís Pavão, Valente Alves, José Afonso Furtado, Luís Palma, Jose Manuel Rodrigues, Mariano Piçarra, Jose Maçãs de Carvalho, Alfredo Cunha, Leitão Marques, Bruno Sequeira, António Júlio Duarte, Augusto Alves da Silva ou Inês Gonçalves. O fotojornalismo que cede muitos dos seus fotógrafos. Muitos deles frequentaram a ARCO, escola que se tornou o primeiro alfobre desta geração de autores.

A criação do Centro Português de Fotografia pelo Ministério da Cultura, desde 1997, vem dar corpo oficial a uma situação que se indiciava o crescimento um pouco desordenado de uma produção fotográfica, num país sem índice normal de compra de fotografias, com poucos e obscuros coleccionadores, sem museu de fotografia. Apoio oficial à produção e divulgação, quer pela atribuição de apoios financeiros, bolsas, pela encomenda e compra fotográfica, pela organização de exposições, cursos ou pela instituição dos dois prémios, Prémio Nacional e Prémio Pedro Miguel Frade, não resolve, obviamente, os problemas de encomenda de uma nova geração de bons fotógrafos que não deixa de crescer. A fotografia portuguesa existe, vende a museus e outras instituições no estrangeiro, expõe um pouco por todo o mundo, tem valores em ascensão, vários cursos de fotografia oficiais e privados, festivais reconhecidos e outros que se afirmam, mas não tem ainda uma Escola Superior de Fotografia autónoma e poucas instituições privadas contribuem para a definição de um verdadeiro mercado fotográfico.

A década de 90 é marcada por uma geração multifacetada ao nível da experiência individual dos fotógrafos. Ê também a década do reconhecimento público. De destacar os nomes de Valente Alves e António Júlio Duarte. Centro Português de Fotografia, Porto.

A década de 90 é marcada por uma geração multifacetada ao nível da experiência individual dos fotógrafos. Ê também a década do reconhecimento público. De destacar os nomes de Valente Alves e António Júlio Duarte. Centro Português de Fotografia, Porto.

(in Revista Camões, n.º 5, 1999)